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Paulo Afonso, Bahia, Brazil
Eu sou um cara do bem. Tenho 32 anos, casado, hilário, pai de uma filha linda (Isabella) e trabalho como professor. Ademais, estou cursando o 6º período de Direito na UNEB - Campus VIII - Paulo Afonso, onde resido e trabalho. Atualmente, leciono no Colégio Estadual Carlina Barbosa de Deus.

terça-feira, 29 de março de 2011

MORRE, AOS 79 ANOS, O EX-VICE JOSÉ ALENCAR

Após 13 anos de luta contra o câncer, José Alencar morre em São Paulo aos 79 anos

Do UOL Notícias
Em São Paulo

Veja imagens da trajetória de Alencar

Foto 42 de 74 - 8.jan.2009 O vice-presidente, José Alencar, durante entrevista, em Brasília MaisSérgio Lima/Folha Imagem

Depois de lutar por mais de 13 anos contra um câncer na região abdominal, o ex-vice-presidente da República José Alencar morreu na tarde desta terça-feira (29), aos 79 anos, em São Paulo. Alencar morreu às 14h41 em decorrência do câncer e de falência múltipla dos órgãos. O corpo dele será velado nesta quarta-feira (30), em Brasília.

Nesse período ele foi submetido a 17 cirurgias, perdeu um rim, dois terços do estômago e partes dos intestinos delgado e grosso. Alencar era casado com Mariza Campos Gomes da Silva, pai de três filhos --Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia -- e avô de cinco netos (em 2001 ele passou a responder a um processo de reconhecimento de paternidade ajuizado por Rosemary de Moraes).

Ele estará no nosso coração e no de todos os brasileiros. Ele deu tantos bailes nos médicos que achamos que ele poderia aguentar mais. A nossa gratidão a ele é eterna.
O Brasil deve muito a ele e
à ternura dele

Gilberto Carvalho, secretário-geral
da Presidência da República

O quadro clínico do empresário que ajudou a eleger Lula em 2002 e em 2006 piorou três dias antes do último Natal, quando foi internado com urgência após uma nova hemorragia abdominal provocada pelo tumor no intestino. Os médicos contiveram o sangramento, mas não puderam retirar os tecidos comprometidos pela doença, impedindo o político mineiro de se despedir do cargo em Brasília e de participar da posse da presidente Dilma Rousseff.

De dezembro até os primeiros meses de 2011, o ex-vice voltou a ser internado diversas vezes, sempre em situação muito grave (veja histórico abaixo). Cirurgias foram descartadas nas últimas internações devido ao estado delicado de sua saúde.

Em novembro de 2009, Alencar garantiu que se a saúde permitisse seria candidato ao Senado. No início do ano passado, cogitou tentar o governo de Minas Gerais. Porém, em abril, afirmou que não disputaria cargos por estar em tratamento de quimioterapia contra o câncer.

"Decidi não me candidatar a nada. Vou cumprir o meu mandato até o último dia, se Deus quiser, e descer a rampa da mesma forma que subi. Subi a rampa com ele [Lula], vou descer com ele. Ele também não se afastou, vamos juntos", disse na ocasião. Proibido pelos médicos, ficou no hospital enquanto Dilma e seu sucessor, Michel Temer, recebiam o cargo no Palácio do Planalto.



Histórico

Os problemas do ex-vice-presidente com o câncer começaram em 1997, quando descobriu dois pequenos tumores malignos no rim direito e no estômago. Na ocasião, Alencar foi operado no mesmo dia.

Submeteu-se a duas cirurgias --em 2000 e 2002-- para tratar de um câncer da próstata. Em 2006, foi a vez de um tumor retroperitonial (atrás da membrana serosa que recobre as paredes do abdome e a superfície dos órgãos digestivos).

Em outubro de 2007 Alencar foi operado novamente do tumor no retroperitônio. Numa revisão da cirurgia em 20 de dezembro, foi detectado um "ponto minúsculo" na mesma região, e os médicos decidiram fazer sessões de quimioterapia para combatê-lo.

Entre 12 e 19 de janeiro de 2008, ficou internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, por conta de uma infecção decorrente da quimioterapia. Recebeu alta aparentando fragilidade, mas com otimismo. Na ocasião, disse que queria almoçar em uma churrascaria.

Depois disso, voltou a ser hospitalizado outras vezes para ser submetido a tratamentos de quimioterapia. No dia 26 de julho de 2008, Alencar admitiu em uma entrevista coletiva que estava novamente com câncer. Ele disse a jornalistas, em Brasília, que exames de rotina feitos em São Paulo mostraram "uma recorrência".

Na ocasião, ele descartou a possibilidade de se afastar temporariamente da Vice-Presidência da República.

Em janeiro de 2009, enfrentou cerca de 17 horas de operação para a retirada de nove tumores na região abdominal. Na mesma cirurgia, os médicos retiraram parte do intestino delgado, outra do intestino grosso e uma porção do ureter, canal que liga o rim à bexiga. Alencar ficou internado 22 dias após a operação.

Rezem por mim, o negócio está feio

Alencar, em 6 de janeiro de 2008

    Já em maio do mesmo ano, novos exames apontaram o retorno de tumores malignos em "alguns pontos da cavidade abdominal". Mas, no final de outubro de 2009, Alencar disse que o último exame realizado mostrava uma "redução substancial" dos tumores.

    No início de julho de 2010, Alencar deu entrada no hospital Sírio-Libanês para uma sessão de quimioterapia, mas apresentou uma crise de hipertensão e foi internado em seguida. Após três dias, foi diagnosticada uma isquemia (deficiência na irrigação sanguínea) cardíaca, o que estava provocando uma irrigação insuficiente em uma das paredes laterais de seu coração.

    Por isso, foi feita a colocação do stent (dispositivo para dilatar vasos sanguíneos) no coração. Na ocasião, ele também passou por um cateterismo (exame para verificar as condições de vasos sanguíneos).

    Em setembro, o vice-presidente voltou a ser internado para tratar um edema agudo de pulmão. Já no final de outubro, Alencar foi internado com um quadro de suboclusão intestinal.

    No começo de novembro, sofreu um infarto agudo do miocárdio e foi submetido a um novo cateterismo. No dia 27 de novembro, Alencar foi operado para desobstruir o intestino. A cirurgia durou cinco horas e resultou na extração de dois nódulos e 20 centímetros de seu intestino delgado. No final do procedimento, ele sofreu uma arritmia cardíaca, que foi revertida.

    No meio de dezembro, Alencar deixou o hospital após passar 25 dias se recuperando da cirurgia e submetendo-se a sessões de hemodiálise, por conta do comprometimento das funções renais. Em 22 de dezembro, porém, voltou ao hospital, de onde só recebeu alta no dia 26 de janeiro.

    Alencar voltou a ser internado às pressas no dia 9 de fevereiro devido a uma perfuração intestinal. Ele deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no dia 15 de fevereiro e recebeu alta médica 34 dias depois. No dia 28 de março retornou ao hospital em situação considerada crítica e foi internado novamente na UTI.

    Biografia

    Filho de um pequeno comerciante de um vilarejo mineiro, José Alencar Gomes da Silva começou a trabalhar cedo e deixou a família quando tinha 14 anos para empregar-se numa loja na sede do município de Muriaé (MG).

    Em 1947, atrás de um emprego melhor, mudou-se para Caratinga, cidade em que conheceu Mariza, com quem se casou. Aos 18 anos, foi emancipado pelo pai (na época, a maioridade civil ocorria aos 21 anos) e, com apoio financeiro de um irmão, abriu uma loja na cidade.

    Você não sabe o que é a morte, então você não tem de ter medo da morte. Você tem de ter medo é da desonra, dela você tem de ter medo, isso mata você."

    Alencar, em 30 de dezembro de 2007

      Hoje, a Coteminas S.A., controlada pela família de Alencar, é a maior empresa do setor têxtil do país e um dos mais importantes grupos econômicos do Brasil.

      Alencar causou surpresa, à esquerda e à direita, ao aceitar a posição de vice na vitoriosa chapa de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, na campanha de 2002. Quatros anos depois, foi reeleito vice-presidente.

      Em julho de 2010, um juiz da comarca de Caratinga (MG), declarou José Alencar oficialmente pai de Rosemary de Morais, que passou a assinar Gomes da Silva. A sentença faz parte de uma ação de reconhecimento de paternidade ajuizada em 2001.

      quinta-feira, 24 de março de 2011

      MODOS DE PENSAR A TELEVISÃO

      Modos de pensar a televisão

      Publicado na Revista CULT

      A discussão sobre a qualidade é indispensável, sejam quais forem nossas concepções de televisão

      Arlindo Machado

      Apesar de considerado o meio de comunicação hegemônico a partir da segunda metade do século 20, a televisão é, na verdade, uma idéia do século 19. Num momento de intensiva expansão do capitalismo, fez-se necessário desenvolver formas de comunicação rápidas e à longa distância, preferencialmente em tempo real e sem transporte de objetos físicos, utilizando cabos ou ondas eletromagnéticas. É assim que surge o telégrafo (transmissão de texto), o telefone (transmissão de som) e a televisão (transmissão de imagem e som). O primeiro protótipo de televisão (ainda mecânico) foi proposto pelo pesquisador alemão Paul Nipkow, em 1884, portanto, bem antes da invenção técnica do cinema, mas a televisão eletrônica, tal como hoje a conhecemos, é resultado do esforço simultâneo de dois engenheiros, considerados os pais da mídia eletrônica: o russo Wladimir Zworykin (que trabalhou na Westinghouse e, depois, na RCA, nos EUA) e o norte-americano Philo Farnsworth, um inventor solitário.

      Uma vez que o objetivo original da televisão era a transmissão de imagens em tempo real e presente, a operação ao vivo acabou por se revelar, dentre todas as possibilidades de televisão, aquela que marcou mais profundamente a experiência desse meio. A televisão nasceu ao vivo, desenvolveu todo o seu repertório básico de recursos expressivos num momento em que operava exclusivamente ao vivo e esse continua sendo o seu traço distintivo mais importante dentro do universo do audiovisual. De fato, a operação em tempo presente constitui a principal novidade introduzida pela televisão dentro do campo das imagens técnicas. A partir da televisão (como já acontecia com o rádio, no plano da transmissão sonora), o registro de um espetáculo, a sua edição e a sua visualização por parte da comunidade de espectadores podem se dar simultaneamente e é esse justamente o traço distintivo datransmissão direta: a recepção, por parte de espectadores situados em lugares distantes, de eventos que estão acontecendo em outros lugares e nesse mesmo instante.

      A transmissão direta constitui, portanto, o primeiro formato de televisão, pois, como se sabe, as primeiras emissões televisuais foram transmissões ao vivo de eventos extratelevisuais, como os Jogos Olímpicos de Berlim (1936), a coroação do rei Jorge VI da Inglaterra (1937), a convenção do Partido Republicano norte-americano na cidade de Filadélfia (1940) e assim por diante. Daniel Dayan e Elihu Katz, em seu livro Media events: the live broadcasting of history, desenvolveram uma teoria muito interessante das cerimônias televisuais de exceção, que interrompem as convenções do fluxo convencional da televisão, quebram toda a grade de programação e unificam todos os canais em torno de uma celebração coletiva ao vivo. Os grandes exemplos da espécie são os funerais de líderes como Winston Churchill, John Kennedy, Indira Gandhi e Aldo Moro, a descida dos americanos à Lua, o casamento real de Charles e Diana na corte inglesa, as jornadas do papa João Paulo II à Polônia e do presidente egípcio Anwar al-Sadat a Jerusalém, os processos de Watergate no Senado norte-americano, os acontecimentos revolucionários na Europa oriental em 1989, os debates presidenciais no período pré-eleitoral e os atentados terroristas nos EUA em 11 de setembro de 2001.

      Típicos exemplos brasileiros seriam os funerais de Tancredo Neves (1985) e Ayrton Senna (1994), a votação pelo Congresso Nacional do impeachment do presidente Fernando Collor (1992) e as finais de Copas mundiais de futebol. Nessas ocasiões, o país inteiro interrompe suas atividades para ver televisão e a recepção é quase que obrigatória. Quando bem sucedidas, essas transmissões mobilizam audiências esmagadoramente grandes, às vezes uma nação inteira, quando não o planeta todo, materializando a idéia mcluhaniana da “aldeia global”. Ainda de acordo com os autores acima citados, esses rituais coletivos que a televisão transforma em “história instantânea” têm o poder de modelar a memória coletiva, assim como de integrar e reorganizar sociedades inteiras em torno de um mito ou de uma vontade coletiva. Transmissões desse gênero – afirmam Dayan e Katz – estão intimamente ligadas à História, não apenas no sentido de que elas custodiam a vontade coletiva, mas, sobretudo, no sentido de que a representação de eventos que ainda estão em processo de realização pode influir em seu desenvolvimento e em suas conse­qüências. Nesse sentido, mais que se referir à História, elas muitas vezes fazem (ou pelo menos marcam) a História.

      Uma outra característica marcante da televisão é a seriação. Como se sabe, a programação televisual é muito freqüentemente concebida em forma de blocos, cuja duração varia de acordo com cada modelo de televisão. Uma emissão diária de um determinado programa é normalmente constituída por um conjunto de blocos, mas ela própria também é um segmento de uma totalidade maior – o programa como um todo – que se espalha ao longo de meses, anos, em alguns casos, até décadas, sob a forma de edições diárias, semanais ou mensais. Chamamos de seriação essa apresentaçãodescontínua e fragmentada do programa televisual. No caso específico das formas narrativas, oenredo é geralmente estruturado sob a forma de capítulos ou episódios, cada um deles apresentado em dia ou horário diferente e subdividido, por sua vez, em blocos menores, separados uns dos outros por breaks para a entrada de comerciais ou de chamadas para outros programas. Muito freqüentemente, esses blocos incluem, no início, uma pequena contextualização do que estava acontecendo antes (para refrescar a memória ou informar o espectador que não viu o bloco anterior) e, no final, um gancho de tensão, que visa a manter o interesse do espectador até o retorno da série depois do break ou no dia seguinte.

      Há várias explicações sobre as razões que levaram a televisão a adotar a seriação como a principal forma de estruturação de seus produtos audiovisuais. Para muitos, a televisão, muito mais que os meios anteriores, funciona segundo um modelo industrial e adota como estratégia produtiva as mesmas prerrogativas da produção em série que já vigoram em outras esferas industriais, sobretudo na indústria automobilística. A necessidade de alimentar com material audiovisual uma programação ininterrupta teria exigido da televisão a adoção de modelos de produção em larga escala, na qual a seriação e a repetição infinita do mesmo protótipo constituem a regra. Com isso, é possível produzir um número bastante elevado de programas diferentes, utilizando sempre os mesmos atores, os mesmos cenários, o mesmo figurino e uma única situação dramática. Enquanto produtos como o livro, o filme e o disco de música são concebidos como unidades mais ou menos independentes, que demoram um tempo relativamente longo para serem produzidos, o programa de televisão é concebido como um sintagma-padrão, que repete o seu modelo básico ao longo de um certo tempo, com variações maiores ou menores. O fato mesmo da programação televisual como um todo constituir um fluxo ininterrupto de material audiovisual, transmitido todas as horas do dia e todos os dias da semana, aliado ainda ao fato de que uma boa parte da programação é constituída de material ao vivo, que não pode ser editado posteriormente, exigem velocidade e racionalização da produção. A tradição parece demonstrar que um certo “fatiamento” da programação permite agilizar melhor a produção (o programa pode já estar sendo transmitido enquanto ainda está sendo produzido) e também responder às diferentes demandas por parte dos distintos segmentos da comunidade de telespectadores.

      Mas, independentemente dessa explicação econômica, existem também razões de natureza intrínseca ao meio condicionando a televisão à produção seriada. A recepção de televisão em geral se dá em espaços domésticos iluminados, em que o ambiente circundante concorre diretamente com o lugar simbólico da tela pequena, desviando a atenção do espectador e solicitando‑o com muita freqüência. Isso quer dizer que a atitude do espectador em relação ao enunciado televisual costuma ser dispersiva e distraída em grande parte das vezes. Diante dessas contingências, a produção televisual se vê permanentemente constrangida a levar em consideração as condições de recepção e essa pressão acaba finalmente por se cristalizar em forma expressiva. Um produto adequado aos modelos correntes de difusão não pode assumir uma forma linear, progressiva, com efeitos de continuidade rigidamente amarrados como no cinema, ou então o telespectador perderá o fio da meada cada vez que a sua atenção se desviar da tela pequena. A televisão logra melhores resultados quanto mais a sua programação for do tipo recorrente, circular, reiterando idéias e sensações a cada novo plano, ou então quando ela assume a dispersão, organizando a mensagem em painéis fragmentários e híbridos, como na técnica da collage.

      A noção de programa tem sido bastante questionada nas últimas décadas. Razões não faltam para isso: a televisão costuma borrar os limites entre os programas, ou inserir um programa dentro do outro, a ponto de tornar difícil a distinção entre um programa “continente” e um programa “conteúdo”. Além disso, os programas de televisão carregam a contradição de terem uma duração, de um lado, cada vez mais reduzida (spots publicitários, videoclipes, logos de identidade da rede televisual) e, de outro, cada vez mais dilatada (seriados, telenovelas). Nos dois casos, o que chamamos de programa resulta numa entidade tão difícil de ser identificada quanto definida. Nos anos 1970, Raymond Williams questionou o conceito “estático” de programa, por considerar que, na televisão, não existem unidades fechadas ou acabadas, que possam ser analisadas separadamente do resto da programação. Em lugar do conceito de programa, ele contrapôs o conceito mais “dinâmico” de fluxo televisual, em que os limites entre um segmento e outro não eram mais considerados tão marcados como em outros meios. Por outro lado, na televisão, a recepção tende a ser cada vez mais fragmentada e heterogênea, em decorrência do efeito zapping, ou seja, do embaralhamento de todos os canais com o controle remoto. Com a ameaça permanente desse dispositivo, já não se contam mais histórias completas, esfacelam-se as distinções de gênero e formato, não mais sobra sequer a distinção ontológica entre realidade e ficção.

      Apesar disso tudo e mesmo que a singularidade do programa de televisão continue sendo questionada, investigações empíricas têm demonstrado que tanto a produção quanto a recepção televisual continuam se baseando fortemente em núcleos de significação coerentes, como os gêneros, os formatos e os programas. Em outras palavras, os programas, os formatos e os gêneros continuam sendo os modos mais estáveis de referência à televisão como fato cultural. Por essa razão, podemos nos perguntar se o fluxo televisual é o resultado da afirmação de alguma essência “natural” da televisão ou tão somente de uma contingência histórica particular. É preciso considerar finalmente – e esse nos parece o ponto mais importante – que a idéia de programa leva ainda, sobre a idéia defluxo, a vantagem de permitir uma abordagem seletiva e qualitativa. O conceito de fluxo empastela toda a produção televisual num caldo homogêneo e amorfo, enquanto o de programa permite nitidamente distinguir diferenças ou perceber a qualidade que desponta sobre o fundo da mesmice.

      Qualidade é hoje uma palavra-chave na área dos estudos de televisão, embora não seja um conceito fácil de definir. Geoff Mulgan, no livro The question of quality, enumera pelo menos sete diferentes acepções da palavra “qualidade” em circulação nos meios que discutem a televisão. Qualidade pode ser (1) um conceito puramente técnico, a capacidade de usar bem os recursos expressivos do meio: a boa fotografia, o roteiro coerente, a boa interpretação dos atores, a indumentária de época convincente etc. Esse conceito encontra-se difundido principalmente entre os profissionais que fazem televisão. Na direção contrária, qualidade pode ser (2) a capacidade de detectar as demandas da audiência (análise de recepção) ou as demandas da sociedade (análise de conjuntura) e transformá-las em produto, abordagem predileta dos comunicólogos e também dos estrategistas de marketing. A qualidade pode ser também (3) uma particular competência para explorar os recursos de linguagem numa direção inovadora, como o requer a abordagem estética. Já a abordagem que Mulgan chama de “ecológica”, identificada com o ponto de vista dos educadores e religiosos, prefere privilegiar (4) os aspectos pedagógicos, os valores morais, os modelos edificantes e construtivos de conduta que a televisão está potencialmente apta a promover. Mas se a televisão é vista como um ritual coletivo, a qualidade pode estar (5) no seu poder de gerar mobilização, participação, comoção nacional em torno de grandes temas de interesse coletivo, abordagem melhor identificada com o ponto de vista dos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita. Outros, pelo contrário, podem encontrar mais qualidade (6) em programas e fluxos televisuais que valorizem as diferenças, as individualidades, as minorias, os excluídos, em vez de a integração nacional e o estímulo ao consumo. Por fim, se é difícil conciliar tantos interesses divergentes, a qualidade pode estar (7) simplesmente na diversidade, o que significa dizer que a ­melhor televisão seria aquela abrisse oportunidades para o mais amplo leque de experiências diferenciadas.

      “Devo ressaltar – adverte Mulgan no mesmo livro – que a riqueza e a ambigüidade dessa palavra pode ser vista como uma virtude e não como um problema.” De fato, talvez se deva buscar, em televisão, um conceito de qualidade a tal ponto elástico e complexo, a ponto de permitir valorizar trabalhos nos quais os constrangimentos industriais (velocidade e estandardização da produção) não sejam esmagadoramente conflitantes com a inovação e a criação de alternativas diferenciadas; nos quais a liberdade de expressão dos criadores não seja totalmente avessa às demandas da audiência; nos quais ainda as necessidades de diversificação e segmentação não sejam inteiramente refratárias às grandes questões nacionais e universais. Numa sociedade heterogênea e complexa, em que não existe – felizmente – nenhum consenso sobre a natureza do meio, sobre seu papel na sociedade e sobre o modo como devem interagir produtores e receptores, uma televisão de qualidade deve ser capaz de equacionar uma variedade muito grande de valores e oferecer propostas que sintetizem o maior número possível de “qualidades”. De qualquer forma, sejam quais forem as nossas concepções com relação à televisão, a discussão sobre qualidade é sempre imprescindível. Fugir dessa discussão seria uma enorme irresponsabilidade. Nenhuma sociedade e nenhum setor da sociedade podem ser aperfeiçoados se não estiverem submetidos a julgamento e avaliação permanentes. A querela sobre o que é ou o que não é qualidade em televisão não deve servir de pretexto para se fugir do debate sobre o significado dos produtos e processos televisuais. A crítica, na verdade, é parte constituinte do próprio processo de fazer televisão.

      Arlindo Machado
      é professor de Comunicação e Semiótica da PUC-SP e do Depto. de Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo. Autor, entre outros, de A arte do vídeo e A televisão levada a sério

      quarta-feira, 23 de março de 2011

      QUEM É O DONO DA TV?

      Quem é o dono da TV?

      Publicado na Revista CULT em 14 de março de 2010

      Alzimar R. Ramalho

      Há muito tempo questões ligadas à produção audiovisual andavam esquecidas das pautas dos meios de comunicação, com exceção da imprensa especializada e publicações científicas. Com a digitalização do sinal e todos os desdobramentos técnicos e de conteúdo que o novo sistema irá proporcionar, a televisão tem ocupado espaço na agenda, não apenas na cobertura factual, como também em análises sobre o contexto no qual vem se desenhando a política de migração digital. Afinal, esse tema é central, pois estamos tratando de um serviço público, garantido pela Constituição e disponibilizado à iniciativa privada por meio de concessão. Por ser um espaço público, é patrimônio do Estado, não do governo.

      Embora se tratando de um bem público, a implantação da televisão brasileira trilhou o caminho inverso ao dos modelos europeu e norte-americano. Começou privada, e somente depois de quase 20 anos, o telespectador brasileiro (inicialmente apenas os paulistas) passou a ter acesso ao modelo de TV pública, com a criação da TV Cultura. Nesse período também foram formadas as redes de alcance nacional. E, há menos de 20 anos, com a implantação dos sistemas por assinatura, o telespectador de maior poder aquisitivo passou a ter acesso a uma programação segmentada e maior diversidade de conteúdo.

      Instrumento de unificação cultural

      A história da televisão brasileira está disponível em várias publicações, principalmente sua cronologia de implantação. Mas o tema ainda não merece, principalmente por parte dos pesquisadores, uma atenção em volume compatível com a “avassaladora” (no entender de muitos) presença da TV no cotidiano das pessoas. Influindo nas conversas, na decoração das casas, na vida cotidiana, na informação e no lazer. Exerce, inclusive, grande influência na formação do senso de unidade nacional e, paradoxalmente, as reflexões a seu respeito são norteadas muito mais pela tendência à “demonização” do veículo, criticando-o por princípio e por preconceito. Para Marília Franco, a TV é “tão importante quanto a língua portuguesa, porque nos identifica. Em qualquer lugar do Brasil, se comentarmos sobre a novela das oito, somos compreendidos”.

      Sabe-se que em televisão a maior qualidade implica, muitas vezes, a redução da audiência, deslocando-se o conceito de ‘elitismo’. Por baixa que seja a audiência, o público é de centenas de milhares de telespectadores, superior à audiência de qualquer outro meio. E, como pergunta Arlindo Machado, esse simples fato já não justifica toda a televisão? Outro fato que a justifica está na própria economia. A produção audiovisual brasileira, especialmente o cinema e a teledramaturgia, tem sido responsável pela divulgação da cultura brasileira para outros países. A escrava Isaura, de 1976, é um ícone desse sucesso internacional de produções brasileiras, tendo sido exibida em mais de 70 países, entre eles a China, Cuba e os Estados Unidos.

      Coberturas esportivas também são destaque da televisão brasileira, cujas cotas de patrocínio superam, em rentabilidade para os clubes, a própria venda dos ingressos. E há quem acredite que, futuramente, a exportação de produtos audiovisuais passe a ocupar, na balança comercial, um statustão importante quanto os produtos agrícolas, como a soja.

      Breve história

      Até a primeira década de implantação, em 1960, a televisão brasileira esteve distante da linguagem audiovisual. Era o rádio na TV, com os mesmos patrocinadores, formatos, artistas e diretores já consagrados. Após esse período, com as possibilidades tecnológicas, passou a incorporar o teatro e o cinema, e programas como o TV de vanguarda, o Grande teatro Tupi, o Sítio do picapau amarelolevaram ao ar autores como Brecht, Lorca, Shakespeare e Monteiro Lobato. Rapidamente a televisão caiu no gosto popular.

      A Rede Globo de Televisão, com seu padrão de qualidade, tem garantido a liderança isolada de audiência praticamente desde sua implantação. Mas essa hegemonia vem sendo periodicamente ameaçada, embora em horários ou programas pontuais. Entre alguns exemplos, a novela Pantanal, que em 1990 chegou a levar a audiência da extinta TV Manchete para 48 pontos, contra dez da Globo. Escrita por Benedito Ruy Barbosa, a trama trouxe como inovação a locação das cenas, 90% externas, e o nível alto de audiência masculina também é referência dessa obra. O SBT também experimentou seus momentos de glória, com o jornalístico Aqui, agora, em 1991, e a Casa dos artistas dez anos depois, quando superou os índices do Fantástico, da Globo. Agora, a bola da vez é a Record, que tem se arvorado como a vice-líder.

      A política de concessões

      Criada por um grupo empresarial (os Diários associados), a TV no Brasil se materializou como empresas eminentemente familiares e, como conseqüência do poder de decisão sobre quem poderia explorar as faixas de freqüência em radiodifusão, na década de 1930, tornou-se importante moeda de troca dos poderosos.

      O veículo servia aos interesses políticos e, em agosto de 1961, Carlos Lacerda, nos estúdios da TV Excelsior do Rio, acusou o então presidente Jânio Quadros de estar preparando um golpe de Estado. Em 1964, boa parte das emissoras divulgava repetidamente imagens das grandes “marchas com Deus pela liberdade”, demonstrando claramente posicionamento contrário aos ideais comunistas. A TV Tupi e demais órgãos Associados promoveram ainda a campanha “Dê ouro para o bem do Brasil” para pagar a dívida do país.

      Considera-se que o sucesso das novelas diárias, em meados de 1960, fez com que o governo militar montasse uma infra-estrutura básica no setor de telecomunicações para possibilitar a universalização do acesso. A TV “era encarada como instrumento estratégico desde o primeiro momento do novo regime”.

      Por serem concessões públicas, o rádio e a TV eram os meios mais suscetíveis à censura. Ao contrário de outros veículos, que manifestavam claramente posições críticas, a TV optou pelo gênero predileto do público-alvo – o melodrama das telenovelas e uma linha popularesca de programação. No campo do jornalismo, permaneceram como exceções programas de entrevistas e de debates políticos, em São Paulo e no Rio de Janeiro, a exemplo do Pinga-fogo, da TV Tupi de São Paulo.

      A TV e a ditadura

      No final de 1968, com o acirramento da censura por parte do regime militar, a participação do jornalismo ficou ainda mais reduzida, e os telejornais se mantinham no ar apenas para cumprir a legislação, com algumas exceções.

      Mas, ironicamente, a televisão também serviu de instrumento para a divulgação de idéias contrárias ao regime militar. Um mês depois da estréia do Jornal nacional, em outubro de 1969, o grupo que seqüestrou o embaixador norte-americano Charles Elbrick fez três exigências às autoridades para que fosse solto, e entre elas, a leitura de um manifesto na TV, escrito por Franklin Martins (atualmente Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), que conforme reporta Simões, “foi lido por um constrangido Cid Moreira, tão apavorado com o teor do documento que chegou a dizer ao vivo que estava ali como mero leitor do texto”.

      Outro fato que marcou o telejornalismo durante o regime militar foi a morte do diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog, que havia assumido o cargo em setembro de 1975, depois de ter sido aprovada sua indicação pelo SNI (Serviço Nacional de Informações). O Brasil vivia o início da abertura política, mas Herzog foi mais uma vítima do regime.

      Os movimentos musicais também encontraram acolhida na TV, especialmente a partir dos festivais organizados pela Excelsior, Record e Globo, a partir de 1965. Durante dez anos foram revelados jovens artistas que retratavam a realidade brasileira de modo bastante combativo, mesmo diante da força da censura.

      Os programas de auditório, a exemplo do rádio, também marcaram a história da TV brasileira. De 1960 a 1980, os apresentadores Silvio Santos, Flávio Cavalcanti e Chacrinha disputavam a liderança de audiência, e essa concorrência levou à opção por atrações sensacionalistas, como incorporação de espíritos durante os programas, ou casos de bigamia. No programa de Chacrinha, a censura chegou a se indispor até com o tamanho dos maiôs das chacretes. Já Silvio Santos sempre foi o mais bem-comportado. Tanto que ­ganhou sua própria concessão.

      Na telenovela houve muitos fatos relacionados à censura, e o mais bizarro ocorreu em 1976, em O casarão, de Lauro César Muniz, veiculada pela Rede Globo. Por causa da Lei Falcão, que proibia qualquer aparição de candidatos nas redes de televisão, nem o personagem que era candidato a prefeito na ficção se livrou da censura. Saiu do ar por uns tempos. De 1985, com o retorno dos civis ao governo, até a promulgação da Constituição de 1988, as emissoras se valeram de filmes anteriormente proibidos e as novelas diárias utilizaram o erotismo e a sensualidade para aumentar a audiência.

      A abertura política não significou liberdade de expressão, como a minissérie O pagador de promessas, que foi reduzida por se referir à reforma agrária. E, como se verificou depois, o pedido inicial de interdição total não partiu da censura e, sim, do patrocinador, o grupo Bradesco Seguros..

      Questões político-ideológicas não foram os únicos motivos para que a censura mostrasse sua força. Quem não se lembra de Roque Santeiro, da Globo, que em 1985 apresentou uma Regina Duarte totalmente repaginada, e um Lima Duarte cujos fetiches viraram bordões. Dez anos antes, com menos de 30 capítulos gravados, a trama de Dias Gomes foi interrompida com a seguinte explicação: “ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja”.

      A Constituição de 1988 estabeleceu o fim da censura, sendo implantado o sistema de classificação etária. Mesmo assim, em 1993, o autor José Louzeiro teve sua novela O marajá proibida antes mesmo da exibição, respeitando uma liminar impetrada pelo ex-presidente e atual senador da República, Fernando Collor de Mello (que se sentiu retratado no papel-título), com base na garantia constitucional de preservação da imagem.

      Entre o público e o privado

      Passados 20 anos de promulgada a Constituição, ainda esperamos a regulamentação das questões que podem nortear uma política pública para a televisão, respeitando seus preceitos de complementariedade entre os sistemas público, estatal e privado. E, principalmente, uma revisão do sistema de concessão, em que a sociedade possa intervir nas decisões que, hoje, cabem unicamente aos poderes Executivo e Legislativo federais.

      Além disso, esperamos que, com a TV digital e suas possibilidades de interatividade e de multiprogramação, haja maior alternativa na oferta de conteúdo, e o telespectador possa ter garantido o acesso a uma programação plural, que efetivamente represente e respeite nossa cultura. A produção audiovisual no Brasil já é expressiva, carecendo de veiculação e, com mais alternativas no espectro público, tende a crescer.

      Não acredito que haja, de imediato, uma mudança de mentalidade quanto aos formatos já sacramentados, especialmente por parte das emissoras privadas. Mas as emissoras públicas (educativo-culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e as estatais), ao se fortalecerem enquanto campo, podem oferecer alternativas a esse modelo tão centralizador. Afinal, estamos tratando de um serviço público, e devemos lutar para que seja de qualidade.

      Alzimar Ramalho
      é jornalista e professora de Jornalismo da Fundação educacional do município de Assis-SP